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Política

Funai proíbe viagens de servidores a terras indígenas em processo de demarcação

Despacho da presidência da fundação vai deixar sem atendimento milhares de indígenas
Lideranças do povo Munduruku reunidos em Brasília para reivindicar entre outros direitos, a demarcação de sua terras Foto: Divulgação/Cimi
Lideranças do povo Munduruku reunidos em Brasília para reivindicar entre outros direitos, a demarcação de sua terras Foto: Divulgação/Cimi

RIO - A Fundação Nacional do Índio (Funai) passou a proibir os deslocamentos de servidores para terras indígenas que não são homologadas ou regularizadas. No Brasil, há cerca de 700 áreas identificadas, mas pouco mais da metade (450) está em situação normalizada. A decisão pode deixar sem atendimento milhares de índios que esperam pela regularização.

O GLOBO teve acesso a despachos assinados pela chefe de gabinete da presidência da Funai, Glécia de Jesus Tolentino, negando pedidos de viagens para várias coordenadorias regionais. A decisão cita memorando enviado aos servidores pelo presidente Marcelo Augusto Xavier da Silva, no qual proíbe as viagens para as terras indígenas que estão em fase de estudo ou declaradas. Entre os atendimentos prestados pelos servidores estão regularização fundiária, proteção territorial, desenvolvimento sustentável, acesso e monitoramento de políticas públicas e direitos civis. Procurada, a Funai não se manifestou até o fechamento da reportagem.

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Em nota, a Funai afirma que “a negativa de autorizações de deslocamento para terras indígenas que não sejam regularizadas ou homologadas ocorre em virtude das restrições orçamentárias desta Fundação”. Segundo o órgão, os povos em locais “formalmente constituídos” têm preferência nos gastos públicos. “Registra-se que está sendo realizado um estudo jurídico acerca da legalidade do acesso e assistência a indígenas em área de objeto de conflito fundiário, invadidas e que não foram constituídas formalmente como terras indígenas”, conclui a nota.

Entende-se por terras homologadas e autorizadas aquelas que, após estudos, foram formalizadas por decreto presidencial e tiveram seus registros feitos em cartório.

Atualmente, de acordo com a fundação, 117 terras estão em estudo para serem homologadas ou regularizadas. Outras 118 estão ainda em processo, das quais 43 são delimitadas e 75 declaradas. Existe ainda a reivindicação de cerca de 500 áreas à espera de reconhecimento como terra indígena.

As áreas que estão em estudo carecem ainda de relatórios antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais que fundamentam a identificação e a delimitação do local.

As delimitadas já tiveram seus estudos aprovados, mas ainda aguardam análise do Ministério da Justiça. As declaradas estão autorizadas para serem demarcadas fisicamente, com georreferenciamento.

Ao menos 117 Terras Indígenas (TIs) estão em estudo para serem homologadas Foto: Divulgação/Funai
Ao menos 117 Terras Indígenas (TIs) estão em estudo para serem homologadas Foto: Divulgação/Funai

O Ministério Público Federal (MPF) de Mato Grosso do Sul criticou a Funai por não ter autorizado uma viagem solicitada pela Coordenação Regional de Dourados (MS) e afirmou que estuda uma possível instauração de procedimento sobre discriminação étnica. “Igualmente cabe destacar que o referido memorando descumpre medidas cautelares concedidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA em Guyraroka, que é uma área não regularizada”.

Criticada pelo presidente Jair Bolsonaro como uma “irresponsabilidade” dos governos anteriores e uma “estratégia” de “inviabilizar” o desenvolvimento do país, a política indigenista é baseada no respeito às particularidades culturais dos povos indígenas e considerada importante para a preservação ambiental.

Em capítulo dedicado especialmente aos índios, a Constituição reconhece a “posse permanente” dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupavam e entrega a eles “usufruto exclusivo das riquezas”, em reconhecimento à organização social e os costumes próprios.

Em agosto, o Supremo Tribunal Federal ( STF ) confirmou decisão que deixou a demarcação de terras indígenas na Funai, em derrota para Bolsonaro que reeditou uma medida provisória (MP) que transferia a demarcação para o Ministério da Agricultura.

Íntegra da nota da Funai

"A atual diretriz referente a negativa de autorizações de deslocamento para terras indígenas que não sejam regularizadas ou homologadas ocorre em virtude das restrições orçamentárias desta Fundação.

A preferência é que os gastos públicos sejam deliberados em favor dos povos indígenas que ocupam terras formalmente constituídas como tais, tendo em vista que a ocupação das terras irregulares não retira a necessidade de observância do devido processo legal e das fases para constituição do local como terra indígena, assim como não exime esta Fundação da responsabilidade de possíveis prejuízos que podem ser ocasionados em razão de danos materiais e morais decorrentes da prática das invasões.

Por fim, registra-se que está sendo realizado um estudo jurídico acerca da legalidade do acesso e assistência a indígenas em área de objeto de conflito fundiário, invadidas e que não foram constituídas formalmente como terras indígenas."