Bolsonaro demitiu ministro da Defesa porque também quer mais apoio militar

Missão de Braga Netto de contornar resistências que vêm se acumulando será difícil

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São Paulo

Além de promover uma dança de cadeiras para agradar o centrão, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) decidiu demitir o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, porque está insatisfeito com o afastamento crescente do serviço ativo das Forças Armadas do governo.

Bolsonaro fala com Braga Netto durante evento no Palácio do Planalto
Bolsonaro fala com Braga Netto durante evento no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 8.dez.2020/Folhapress

Segundo interlocutores do agora ex-ministro, esse é o motivo de Azevedo ter enfatizado, em sua nota de saída, que considera ter preservado as Forças Armadas como instituições de Estado até aqui. A Folha não conseguiu ouvi-lo.

Ao longo do ensaio de crise institucional do primeiro semestre de 2020, quando Bolsonaro foi a atos que pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e o Congresso, Azevedo teve de equilibrar pressões de todos os lados.

Foi levado a sobrevoar uma dessas manifestações por Bolsonaro, recebendo críticas de militares —o desconforto com decisões no Supremo entre fardados é notório, há certamente entre eles bolsonaristas que apoiariam rupturas, mas no geral há aversão à pecha de golpista.

A tensão chegou ao paroxismo em junho, quando ele apoiou em uma nota a ameaça feita pelo general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), que falara em "consequências imprevisíveis" quando a apuração sobre a interferência de Bolsonaro na PF esbarrou na hipótese de confiscar o celular do presidente.

Com o arrefecimento da crise, a ativa buscou riscar no chão uma linha, tentando sem sucesso total se separar da ala militar que fornecia então 10 dos 23 ministros do governo. O comandante do Exército, Edson Leal Pujol, falou publicamente que militares não deveriam estar na política.

O alvo era o general Eduardo Pazuello, que nunca deixou o serviço ativo durante sua contestada gestão no Ministério da Saúde. Agora fora do cargo, ele foi motivo de grande estremecimento entre Bolsonaro e os militares, que pediam dia sim, dia sim que o fardado fosse à reserva.

Bolsonaro já havia especulado tirar Pujol do cargo e entregá-lo ao general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), como a Folha revelou no ano passado, mas foi dissuadido pelo próprio Azevedo. Todos negam essa versão, de tão mal que a sugestão caiu nas Forças.

As falas recentes do presidente sugerindo que o "meu Exército" iria agir contra lockdowns propostos por governadores de estados também causou queixas entre militares da ativa. Essa reação, diz um aliado de Bolsonaro, incomodou o presidente, que esperava uma manifestação de Azevedo.

Por fim, segundo uma pessoa próxima de Azevedo, houve uma irritação final de Bolsonaro com uma entrevista concedida pelo general Paulo Sérgio, que comanda a área de saúde do Exército.

Ao jornal Correio Braziliense ele relatou no domingo (28) como foram aplicadas normas rígidas de distanciamento e isolamento de vulneráveis e doentes na Força, garantindo um grau de contaminação pelo novo coronavírus menor do que na população em geral.

Bolsonaro, segundo o relato, queixou-se a Azevedo e pediu a demissão do militar por considerar que a fala era ruim para a imagem do governo, conhecido por combater medidas básicas na pandemia. Azevedo se negou.

A semana carrega uma delicada particularidade: na quarta (31), haverá o aniversário do golpe militar de 1964. Nos dois anos anteriores, Azevedo assinou notas colocando o evento no passado, mas celebrando o que considera caráter democrático —até hoje os militares chamam o acontecido de "revolução".

Há rumores de que Bolsonaro também gostaria de ver uma nota de 2021 mais aguda, o que se for verdade iria contra o estilo de Azevedo.

Surpreendeu a forma com que o titular da Defesa, um dos mais poderosos ministros do governo, foi demitido. Bolsonaro quer agora um militar mais alinhado a ele no cargo, o ex-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto.

Outro general de quatro estrelas, na reserva, o ex-interventor militar na segurança do Rio é visto como um fiel cumpridor de ordens.

Ele se desgastou com políticos aliados de Bolsonaro ao tirar férias na semana passada, quando o Brasil atingiu 300 mil mortos na pandemia, mas acabou voltando a Brasília após passar mal em Alagoas.

Ninguém na equipe de Azevedo esperava a sua saída. Ele inclusive havia acabado de confirmar para o dia 6 um almoço como o novo presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), e iria falar ao colegiado no dia seguinte.

Para um ministro do Supremo Tribunal Federal, casa na qual o ministro tinha trânsito privilegiado, a demissão é preocupante porque ele costumava ser visto como um pivô entre governo, Judiciário e os militares.

Para ele, se o presidente está buscando mais apoio em quem detém o monopólio do uso da força, a sinalização é a pior possível. Já um general da ativa afirma que o suporte que Bolsonaro procura é mais simbólico, e que não haveria motivo para preocupações de outra ordem.

De todo modo, dada a reação inicial dos comandantes de Força de se reunir para agir em conjunto na crise, a tarefa de Braga Netto será difícil.

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